Mário Figueiredo, presidente da Liga de Clubes, concedeu uma extensa entrevista ao Record.
Dos vários temas abordados, achei mais interessantes os que reproduzo abaixo.
«R – O Benfica é um novo player no mercado, pelo que poderá
financiar outros clubes se lhes comprar os direitos de TV. Isso não
levanta questões de transparência?
MF – Compreendo a
pergunta mas, como imagina, não vou criticar o comportamento de um
filiado da Liga. A questão é que o Benfica não tinha alternativa. Face à
cláusula de direito de preferência da PPTV, a única hipótese de não
assinar contrato era pôr os direitos no seu próprio canal. Isso sustenta
empiricamente a nossa queixa.
R – Concorda com a nomeação de árbitros estrangeiros para jogos mais importantes do nosso campeonato?
MF
– Isso é uma falácia. Temos árbitros de nível mundial e devemos
trabalhar sempre na ótica da transparência. É preciso profissionalizar
um quadro fixo de 12 árbitros de topo que deve fazer uma experiência na
1.ª Liga durante um ciclo de quatro anos. Assim, apitam sem
constrangimentos, como é a ameaça de descida de categoria. Por outro
lado, um árbitro de top não pode terminar a carreira aos 45 anos só
porque atingiu a idade limite. Se tiver condições, deve continuar a
arbitrar.
JOAQUIM EVANGELISTA – Apesar de a Liga
alargar para três os momentos de controlo financeiro, o incumprimento
salarial continua a ser recorrente. Ao admitir como comprovativo de
pagamento as “declarações de quitação assinadas pelos jogadores”, a Liga
coloca o ónus no jogador e aceita ser “driblada”. Quando pretende
acabar com este expediente e exigir os recibos de vencimento ou
comprovativo de transferência?
MF – Faço minhas as
palavras do presidente do Sindicato e tomo a pergunta como um desafio:
iremos colocar essa solução em AG, pois também acho que os jogadores são
o elo mais fraco e não posso receber declarações de quitação sabendo ou
intuindo que haja contradeclarações a dizer que o valor em dívida irá
ser pago em data posterior. Não pode ser. Os clubes têm passado por
muitas dificuldades – e devo tirar o meu chapéu ao Sindicato, uma vez
que temos procurado resolver em conjunto muitos problemas –, mas é
preciso moralizar o futebol. Vou propor essa alteração ao regulamento,
exigindo mais documentos e não apenas a declaração de quitação.»
O presidente da Liga tem um novo desafio pela frente: a reformulação
dos quadros competitivos para a época 2014/15. Sobre a mesa está um
modelo inovador que o dirigente, de 46 anos, vai apresentar aos clubes
em AG que se realiza no final do mês...
RECORD – Trouxe a Portugal o guru dos modelos competitivos. O que vai mudar nas ligas profissionais?
MÁRIO
FIGUEIREDO – Temos pela frente o desafio da reintegração do Boavista e
pretendo aproveitar esse momento para promover uma mudança que seja
sobretudo uma oportunidade para desenvolver o nosso futebol. Por isso
convidei a Hypercube – empresa holandesa que se dedica há muitos anos ao
desenvolvimento de quadros competitivos com base em análises
científicas da performance global – para nos ajudar a criar um novo
modelo de competições.
R – E então que trazem de novo?
MF
– Pedi uma solução que tivesse em conta um conjunto de princípios. O
primeiro, manter o efeito locomotiva dos clubes grandes no futebol
português; o segundo, permanecer no top do ranking da UEFA; o terceiro,
criar condições para uma melhor performance das nossas equipas nas
provas da UEFA e se possível até diminuir o quadro competitivo, de forma
a reduzir o número de jogos destas equipas no campeonato nacional.
Simultaneamente, aumentar o número de jogos das equipas que não vão às
competições europeias. Outro dos pilares essencial é aumentar o número
de adeptos nos estádios.
R – Mas neste momento o que está sobre a mesa é o alargamento e não o emagrecimento da 1.ª Liga...
MF
– Não dei essa questão como fechada. O que pedi foi uma solução para as
nossas competições de acordo com os pilares que enunciei.
R – No entanto, parece ser consensual que a redução para 16 clubes não trouxe vantagens...
MF
– A principal crítica que se faz quando se fala no alargamento é que
podemos estar a trazer para a 1.ª Liga clubes mais fracos – não é o caso
do Boavista, que até pode ser considerado do “quadro europeu”, pelo que
só corremos o “risco” de ter um clube que não é do top ten.
R – Mas a sua convicção é de alargar, manter ou reduzir?
MF
– A soberania sobre esta decisão é dos clubes. A mim compete-me
fornecer aos clubes o maior número de elementos com base científica que
lhes permitam tomar uma decisão ponderada e sustentada.
R – O modelo proposto é replicado do holandês?
MF
– Não. A Hypercube propôs vários modelos, até aqueles já existentes –
entre os quais o holandês, é verdade, assim como o escocês com 12
equipas a 3 voltas –, e deu conta das performances que têm a vários
níveis: desportivo, financeiro, comercial. E apresentou um modelo
inovador.
R – Pode levantar a ponta do véu?
MF
– É um modelo em que beneficiamos das vantagens de ter 18 equipas e não
sofremos os consequentes inconvenientes. Quero dizer com isto que os
clubes de topo jogam mais vezes entre eles; permite que esses mesmos
clubes joguem só 28 jornadas em vez de 30; permite-lhes também que
beneficiem de uma pausa em janeiro – entre 15 dias a três semanas, à
semelhança do que acontece na Alemanha –, o que faz com que quando se
entra na fase mais importante das competições europeias as equipas
tenham mais reservas de energias. Foi o que se verificou esta época com o
Bayern e o B. Dortmund, que aniquilaram completamente os espanhóis.
Aliás, nessa altura será possível saber já o nome de uma das equipas que
irá à Liga dos Campeões da época seguinte, podendo investir nesse
sentido. Ou seja, com este modelo os nossos melhores clubes poderão
jogar mais vezes entre eles e com as melhores equipas do nosso
campeonato, mas também permite que os emblemas do meio da tabela tenham
mais jogos – em vez de 30 passam a fazer 36 ou 38 jornadas.
R – Explique lá como se saberá em janeiro o apurado para a Champions da época seguinte?
MF
– Isso não posso dizer. É algo inédito e que acaba por ser uma grande
vantagem em relação a todas as outras ligas. Eu próprio fiquei
surpreendido. No dia 19 (quarta-feira) voltaremos a ter um encontro no
qual, em função dos “inputs” que os clubes deram e dos formulários que
preencheram e nos quais atribuem percentagens a vários itens
(desportivo, comerciais, assistências) de acordo com os seus interesses,
ser-nos-á apresentado o modelo final.
R – Os adeptos torcem o nariz a paragens no campeonato. Acha que essa proposta vai ser bem acolhida?
Os clubes de topo jogam 28 jornadas em vez de 30 e beneficiarão de uma paragem no início do ano
MF
– O campeonato não vai parar, apenas aqueles que estão nas provas
europeias terão uma pausa. Aliás, nesse quadro, os clubes que não se
encontram na UEFA farão 36 a 38 jornadas.
R – Admite promover competição no Natal e no Ano Novo, a exemplo de Inglaterra?
MF
– Desde que estou na Liga que tentei introduzir jogos a 28 e 29 de
dezembro e era meu objetivo que se disputassem jogos no Natal. Isso vai
ser ponderado. Uma das ideias que estamos a preparar para apresentar na
assembleia geral vai no sentido de podermos oferecer um produto novo e
atrativo ao adepto que vive no estrangeiro. Assim, a seguir aos sorteios
da nossa Liga e das provas da UEFA, poderemos definir o calendário com
exatidão, isto é, saber quem joga com quem e em que datas. Desta forma,
será possível oferecer um pacote viagem/jogo que permita a um adepto do
Benfica ou do FC Porto que vive em Londres ou Genebra poder comprar
atempadamente um bilhete “low cost” de avião e um bilhete “low cost”
para um jogo do clube da sua preferência. Nesse sentido estamos a
trabalhar com as autoridades de turismo nacionais.
R –
O alargamento surge em resultado da necessidade de reintegrar o
Boavista. Acredita que o clube do Bessa vai reunir condições?
MF
– Vai depender de muitos fatores. É a chamada “one million dólar
question”. Sabemos que o Boavista, fruto de ter sido relegado para as
competições não profissionais, ficou numa situação financeira muito
complicada. Mas tem uma oportunidade para se ajustar em termos
económico-financeiros e poder discutir com os seus credores uma política
de recuperação da SAD, de maneira a que dentro de um ano consiga
cumprir os requisitos. Estou convencido que se todos os credores e
parceiros do futebol tiverem boa vontade de ajudarem na reestruturação
financeira, haverá condições para receber na 1.ª Liga um clube
centenário como o Boavista.
R – Há também um modelo novo para a 2.ª Liga. Como é?
MF
– Na última época passámos de 16 para 22 clubes, com a incorporação das
equipas B, e de 240 para 462 jogos. Houve um aumento de 96 por cento de
jogos!
R – Que custos teve esse salto?
MF – Em termos de arbitragem foi mais 1 milhão de euros e 1,5 milhões de custos de realização de jogos.
R – Desequilibrou muito o orçamento da Liga?
MF – Todos os custos duplicaram e afetaram as contas da Liga. Mas vemos a situação como um investimento e não como um custo.
R – Voltemos ao modelo...
MF
– Verificámos que ter 460 jogos por época é demasiado e dispendioso. Um
dos problemas é também as fracas assistências. E essa é uma das nossas
preocupações. O futebol para ser sustentável tem de ser uma pirâmide. O
problema é que não é isso que temos. O que temos são 16 equipas na 1.ª
Liga, seguido de um alargamento exagerado para 22 e outro exageradíssimo
para 80 clubes na base. Temos que transformar esse desenho. Assim, e de
acordo com o consenso que gerou, iremos ter uma 2.ª Liga com 24 clubes,
divididos em duas fases. Uma primeira de cariz mais regional dividida
em Norte e Sul – Coimbra será a divisória, atendendo à distribuição
geográfica dos clubes.
As equipas a partir do meio da tabela classificativa terão mais jogos, podendo realizar 36 ou 38 jornadas
R – E as ilhas?
MF – Os clubes da Madeira entram no Sul e os dos Açores no Norte.
R – Segue-se então uma 2.ª fase...
MF
– Passam os melhores de cada uma das zonas para discutir os lugares
cimeiros e os restantes para lutar pela permanência na 2.ª Liga. A prova
terminará com playoffs, de forma a manter o interesse até final e
também de modo a incentivar a performance positiva dos clubes. Isto é,
pretende-se que as equipas entrem em campo sempre para ganhar. Não
podemos promover uma prova que beneficie as equipas que metem o
autocarro à frente da baliza. Quero acabar com isso. Se houver esse
incentivo ao longo de toda a competição – o que se traduz também a nível
económico e de assistências –, também teremos um melhor futebol e mais
competitivo, com as equipas a jogarem para a frente e com mais incerteza
no resultado. Teremos assim duas ligas altamente competitivas e
interessantes até ao fim.
R – O objetivo imediato é tornar viável a 2.ª Liga já esta época...
MF – Pois, temos de aguentar mais um ano.
R – E o último já foi muito penoso para os clubes...
MF
– Sim, mas está também em discussão a reformulação da fase inicial da
Taça da Liga. Ultimamente já não havia grupos mas sim eliminatórias no
arranque da competição. Estamos a tentar reduzir ao mínimo o número de
jogos das equipas da 2.ª Liga nessa fase da prova para contrabalançar o
excesso de desafios no campeonato. Parece-me evidente que o aparecimento
das equipas B foi benéfico. Repare que o título de campeão da 1.ª Liga
foi decidido por um rapaz que o FC Porto repôs na sua equipa tirando
partido da sua utilização nos B.
Como dizia em título, estou curioso sobretudo em saber como será o modelo do campeonato da 1ª Liga na época 2014/15. Isto porque ele diz que em Janeiro pode ser conhecido um dos representantes na edição seguinte da Liga dos Campeões, diz que os "grandes" podem jogar mais vezes entre eles, apesar da Liga ser composta por 18 clubes sem o consequente aumento de jogos. Disse ainda que a Taça da Liga também pode estar em perigo e que poderá haver uma paragem de 2/3 semanas em Janeiro para as equipas que estão nas competições europeias.
5 comentários:
Felizmente e contra o meu pessimismo, pensei que perderíamos os 3 jogos, empatamos a final! Vai ser difícil, mas o factor casa pode ser decisivo...
Cumprimentos e desculpa o off topic!
Interessante de facto. Apesar de também me me parecer que ou isto sai mesmo bem ou teremos uma salgalhada e uma desastrosa com indefinições, paragens e atropelos que poderão gerar graves problemas na nossa competitividade. Esperar para ver.
acesso à champions garantido em Dezembro?? mas que raio!
sou completamente contra criar uma campeonato não clássico com 2 fases e playoffs ou a parvoíce que deve estar a ser pensada. chamem-me antiquado mas em vez de se andar a reinventar a roda o que se tem de fazer é simplesmente não inventar e trabalhar para que o que existe seja melhorado. o que interessa se o modelo é diferente se depois há jogos em batatais ou em campos de guerra? a violência é o factor que tem retirado mais pessoas dos estádios. depois se calhar é haver espectáculos pouco dinâmicos em que por vezes é permitida uma agressividade nefasta para o mesmo, para além de serem permitido as equipas que maltratem o relvado antes de receberem um grande ou que tenham campos sem dimensões de equipa grande. depois os horários dos jogos não ajudam. e por fim o facto de se permitir que alguns clubes vivam acima das suas possibilidades e aguentados por mecenas enquanto outros que têm mais adeptos são empurrados para o fosso.
ou seja o modelo do campeonato em nada vai mudar o que está pior no actual. mais jogos entre os grandes? onde é que isso beneficia os pequenos? e mais jogos entre os pequenos só vai significar mais jogos às moscas!
Acho que ele se contradiz, se admite que os jogos com as equipas mais pequenas não são rentáveis porque vai pôr as equipas do fundo da tabela a fazer 36 jornadas ? Mais, estas equipas praticamente só vivem das receitas de tv - contra os grandes e da bilheteira contra o Benfica (uma ou outra também contra o Porto). Ao diminuir os jogos das equipas grandes contra as pequenas, vai diminuir a receita destas.
O futebol espanhol que nos últimos anos dominou a Europa tanto por equipas como em selecções não tem qualquer pausa em Janeiro e tem 38 jornadas. Vai-se adoptar o modelo alemão de paragem só porque eles tiveram sucesso (exclusivamente 2 equipas na Champions) ? Os alemães param porque as condições climatéricas são muito adversas.
A Premier League não pára pelo contrário, a La Liga, a Liga italiana acho que também não, ou seja dos mais competitivos só os alemães param por causa do tempo. A menos que olhemos para os holandeses ou belgas como exemplo, not.
Na Argentina também se conhece logo um participante na Libertadores em Dezembro - o vencedor do Apertura. Não quero acreditar que vamos replicar um modelo do século passado ou avançar para o modelo da liga russa ou de play-offs.
A parvoíce grassa na Liga e como as equipas pequenas costumam votar em função de promessas, antevejo um negro futuro.
Querem ter uma Liga mais interessante ? Então sigam os modelos inglês ou alemão em que a generalidade dos jogos da jornada é ao princípio da tarde, pelo que mesmo havendo transmissões televisivas os estádios estão cheios.
Depois têm que enfrentar com coragem a questão da sustentabilidade financeira dos clubes. Se a generalidade das equipas não estiver em falência, muito mais dificilmente irão aceitar certas movimentações/cedências, pois estando com uma situação financeira sustentável tomarão as decisões no seu interesse em vez de cederem a interesses alheios.
Claro que estes são 2 pontos conflituantes com o status quo do futebol português e portanto nunca veremos qualquer medida tomada neste sentido.
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